Associação Fala Mulher contribui para matéria sobre violência contra a mulher no Portal do Universa.

Por Heloísa Noronha - Colaboração para Universa
O jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, cuja morte completa 38 anos neste dia 21 de dezembro, construiu sua carreira à base de contradições. Embora se considerasse um reacionário do ponto de vista político, tendo, inclusive, apoiado a Ditadura Militar (1964-1985), assinou vários romances e peças que escandalizaram a sociedade brasileira nos anos 1940 e 1950. Incesto, pedofilia, adultérios, sexo grupal, crimes passionais, aliciamento de menores e prostituição são alguns dos temas abordados em obras como "Álbum de Família" (1946), "Senhora dos Afogados" (1947) e "Asfalto Selvagem: Engraçadinha, Seus Pecados e Seus Amores" (1959).
Mais do que polemizar, a intenção de Nelson sempre foi descortinar a hipocrisia e a neurose que permeiam as relações humanas, em especial as familiares: em público, um exemplo moral a ser seguido; na intimidade, um antro de desejos tortuosos, segredos e devassidão. Em seu trabalho, no entanto, o escritor volta e meia pesou a mão no tratamento às mulheres, mostrando-as como loucas, inconsequentes, frívolas, insensatas e destruidoras de lares e corações. Uma de suas frases mais icônicas --"Nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais"-- não só induz à normatização da violência domésticacomo ainda sugere que a mulher provoca a agressão porque se julga merecedora dela.
Não há justificativas para a agressão contra as mulheres, seja ela física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial.
Infelizmente, a cultura machista ainda faz com que as mulheres se sintam culpadas pelas agressões sofridas. Muitas pessoas pensam que a violência doméstica não é um problema delas, mas trata-se sim, de um problema social. Todos precisam estar envolvidos para que a sociedade seja mais justa e igualitária. A máxima "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher" deve ser ignorada em prol da integridade de muitas vítimas em potencial.
Falar que mulher gosta de apanhar é ignorar os altos índices de feminicídios ocorridos no país. Segundo dados recentes da OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil ocupa a quinta posição no ranking mundial de homicídios de mulheres. O número de assassinatos no país chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. Outra estatística cruel: um levantamento do Ministério Público do Estado de São Paulo revelou que a maioria dos assassinatos de mulheres acontece dentro do ambiente familiar e também durante a semana, de segunda a sexta-feira. E, conforme dados do 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em agosto desse ano, o Brasil registrou 60.018 casos de estupro em 2017, o que corresponde a uma média de 164 por dia, ou um a cada 10 minutos. Como o número se refere apenas aos crimes registrados, estima-se que a realidade seja ainda mais terrível.
A mulher tida como alguém que "gosta de apanhar" porque não enfrenta a situação, possivelmente, enfrenta vários dramas desconhecidos (ou sumariamente ignorados) pelas pessoas: vergonha, humilhação, medo de perder a guarda dos filhos, dependência financeira, ameaça de morte. É importante destacar que, mesmo a Lei Maria da Penha sendo reconhecida internacionalmente como um exemplo, não faltam histórias grotescas no Brasil sobre o tratamento dado às mulheres que buscam apoio nas delegacias (inclusive as especializadas em atendimento feminino) e sobre como as vítimas ainda são, por questões culturais e patriarcais, pouco escutadas, desacreditadas ou ridicularizadas, resultado de uma educação machista cuja perpetuação ainda é valorizada por aqui.
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